CONSEGs no Mundo

Nos anos 60, os movimentos pelos direitos civis provocaram uma onda de protestos e denúncias envolvendo práticas policiais arbitrárias e discriminatórias, especialmente contra a população negra. Sintomaticamente, o mais violento desses protestos ocorreu na cidade de Los Angeles, sede do mais desenvolvido e aclamado modelo de policiamento profissional do país.¹ Foi, por tanto, inevitável que, no esteio das denúncias, se iniciasse um debate questionando as premissas do próprio estilo profissional de policiamento. Cabe enfatizar que, pela primeira vez, a condenação das práticas policiais não vinha somente de suas tradicionais vítimas, mas também dos setores organizados da classe média, ativamente envolvidos nas manifestações pacifistas e estudantis. A presença dessas vozes propiciou ampla repercussão na mídia, nos setores governamentais e nas instituições da sociedade civil, contribuindo para o início de uma nova era de reformas na área policial.

 ¹Em 11 de agosto de 1965, a detenção de um cidadão negro por condução embriagada de veículo detonou um a série de protestos em Watts, bairro pobre e predominantemente negro na área sul de Los Angeles. Após uma seman de confrontos, os protestos terminaram com 31 civis mortos e vários policiais feridos (David M. Kennedy, Neighborhood Policing in Los Angeles [Case n° C16-86-7170], in The Case Program of the John F. Kennedy School of Government, Harvard University, Cambride, 1986, p. 2).

Os programas de Relações Públicas

As tensões sociais despertaram a consciência policial de que a eficácia no combate ao crime dependeria de uma recuperação de imagem pública da organização, para que esta pudesse receber cooperação social, ao invés de hostilidade. Entre as décadas de 60 e 70, diversas cidades adotaram programas que se tornaram célebres pela difusão da figura do “policial amigo”, que brincava com as crianças, auxiliava os idosos e zelava pelo bem-estar da comunidade.

Embora indicativos de novos rumos na área policial, tais programas tiveram um impacto bastante limitado. Representavam, em sua grande maioria, esforços tímidos, quando não ingênuos, de criação de cenários fantasiosos que não refletiam a realidade do policiamento nas ruas. Eram campanhas de relações públicas e não um esforço de enfrentamento dos problemas fundamentais relacionados ao exercício da função policial. Na falta de maior consistência, tais programas fracassaram em seus objetivos e a maioria desapareceu com o tempo.

O Controle Comunitário sobre a Polícia.

Uma das principais críticas contra o modelo profissional referia-se à insuficiência de canais e instrumentos de controle sobre a conduta policial. Tal consciência impulsionou a criação dos chamados civilian review boards, conselhos que garantiam a participação de representantes da sociedade civil na apuração e no julgamento denúncias de abusos de policiais. Embora fossem um significativo passo para o aperfeiçoamento do controle externo sobre a polícia, predominava hoje a avaliação de que tais conselhos acabaram acirrando ainda mais os níveis de animosidade entre policiais, receosos de retaliações e ingerências de outsiders, e cidadãos, sequiosos pela punição de policiais “arbitrários.” Os conselhos contribuíram, por exemplo, para o fortalecimento dos sindicatos policiais, convertidos em porta-vozes da resistência às críticas e às propostas de mudanças. Conforme se dizia nos meios policias, o blue power articulava-se em resposta ao black power.

O Poder Judiciário desempenhou um papel importante nesse processo de aperfeiçoamento do controle externo, especialmente através da Suprema Corte, que, em decisões históricas, municiou a sociedade com instrumentos legais de coibição de abusos perpetrados pela polícia. Dois Clássicos exemplos foram, em 1961, a extensão para os estados da regras de exclusão de provas ilícitas (exclusionary rules) e, em 1966, a introdução do dever policial de informar os suspeitos, sobre direito contra a auto-incriminação em interrogatórios (Miranda wanings). Embora a experiência demonstre os limites de capacidade do Judiciário de influenciar no comportamento dos policiais nas ruas, tais decisões contribuíram para aguçar a sensibilidade política para o tema do controle. Ao fortalecer os instrumentos jurídicos de controle e revisão das práticas policiais, a mais alta instância judicial do país enviava uma nítida mensagem de intolerância à arbitrariedade policial.

Outras propostas, ainda mais radicais e abrangentes, demandavam o controle comunitário sobre a polícia. Erma, em regra, propostas utópicas, que previam procedimentos de consulta popular em decisões técnicas ou em minúcias administrativas relacionadas ao cotidiano da burocracia policial. Tais propostas são hoje criticadas por se aterem ao âmbito organizacional. Nutriam a falsa expectativa de que a participação direta da população na contratação e promoção de pessoal ou na compra de equipamentos iria resolver os problemas essenciais no âmbito policial. Não há dúvida, contudo, de que as propostas de controle comunitário pavimentaram o caminho para significativos avanços. Pela primeira vez, a questão do controle era abordada numa perspectiva mais abrangente; ao invés de punição de abusos (controle negativo), discutia-se a necessidade de uma maior influência da sociedade nas decisões relevantes relacionadas ao exercício da função policial (controle positivo).